A leucemia viral felina (FeLV) é uma infecção causada por um retrovírus que induz o surgimento de linfoma, imunodeficiência, anemia e falha reprodutiva. Sua transmissão é de forma horizontal, principalmente pelo contato com a saliva de gatos infectados. Também pode ser por via transplacentária ou pelos cuidados da mãe infectada.
O Vírus da leucemia felina (FeLV) foi descrito em 1964 por William Jarrett e colaboradores ao encontrarem partículas virais ligadas à membrana de linfoblastos em um gato com linfoma (JARRET et al., 1964). O FeLV pertence à família Retroviridae, gênero Gammaretrovirus. O vírus possui envelope lipoprotéico e material genético RNA fita simples. O RNA é transcrito em DNA (provírus) pela RNA polimerase viral Transcriptase reversa (RT) e é integrado ao genoma celular. É dividida em subgrupos como FeLV-A, FeLV-B, FeLV-C e FeLV-T, mas apenas o subgrupo A é contagioso e transmitido entre gatos. Os subgrupos B, C e T surgem por mutações do subgrupo A.
Um dos genes da FeLV, denominado gene gag, codifica proteínas estruturais internas, como por exemplo a p27 (utilizada para o diagnóstico da infecção pelo FeLV), por ser encontrada em grandes quantidades no citoplasma de células infectadas no sangue dos gatos.
O vírus é considerado a principal causa de morbidade e óbitos relacionados a doenças acometidas por filhotes, além de ser responsável pelo maior número de síndromes clínicas quando comparados a outros agentes. A taxa de mortalidade de gatos infectados pelo FeLV em locais com vários gatos é em torno de 50% em dois anos e 80% em três anos.
Patogenia
Há seis estágios da leucemia viral felina:
1º estágio: começa quando um gato suscetível entra em contato com o vírus pela via oronasal. Na infecção aguda, o vírus da FeLV se replica inicialmente na células mononucleares (linfócitos e macrófagos), nas tonsilas e tecidos linfoides faringiano, e então, esse é carreado pelo sistema linfático para os linfonodos locais da cabeça e pescoço, onde a replicação é ampliada nos centros foliculares desses linfonodos nos linfócitos B.
2º estágio: ocorre infecção de alguns linfócitos e monócitos circulantes;
3º estágio: uma viremia associada à célula (linfócitos e monócitos) se desenvolve dois a doze dias após a infecção, permitindo a disseminação do vírus para a medula óssea, timo, baço, trato gastrointestinal e linfonodos distantes. Os tecidos linfoides abdominais e associados ao intestino (folículos linfoides agregados, placas de Peyer, e outros tecidos linfoides da submucosa) parecem ser os mais importantes;
4º estágio: é denominado estágio hemolinfático e intestinal, é a fase crítica da infecção aguda. Nesse estágio ocorre replicação viral nos neutrófilos, linfócitos e plaquetas que ainda estão na medula óssea e em células epiteliais intestinais, os tecidos que estão em constantes mitoses. O que acontece depois depende de uma competição entre a amplificação do vírus nos precursores granulocíticos e megacariocíticos ativos, e nas células em mitose na medula óssea, nas criptas da mucosa intestinal e nos centros foliculares dos linfonodos e a restrição do vírus pela emergente resposta imune antiviral. A habilidade do sistema imune para impedir essa progressão determina a consequência final e influencia os resultados de vários testes de antígenos;
5º estágio: disseminação através de neutrófilos e plaquetas infectados oriundos da medula óssea, ocorrendo viremia;
6º estágio: ocorre disseminação em todos os tecidos epiteliais como glândulas salivares, intestinos e vesícula urinária, estando presente na saliva e na urina. Uma vez introduzido no gato, o vírus progride através de vários tecidos.
A infecção pelo vírus da leucemia felina pode apresentar quatro tipos de infecções:
Infecção Progressiva
Associada a imunidade insuficiente ao FeLV;
Gatos tem virêmia persistente;
Gatos que irão transmitir o vírus;
Apresentam doenças associadas a FeLV (em média dentro de 3 anos após o contato com o vírus;
Níveis elevados de DNA proviral e RNA viral, antigenemia e isolamento viral constantes;
Infecção Abortiva
Pouco frequênte;
Gatos imunocompetentes que conseguem eliminar o vírus antes que aconteça viremia;
Ausência de DNA proviral, RNA viral, antígeno p27 e isolamento após contato, apresentando resultado negativo em todos os testes;
Infecção Regressiva (ou Latente)
Resposta imune eficaz após a infecção;
Ocorre viremia inicial;
Baixo risco de ter doenças associadas a FeLV;
Aparentam ter a mesma expectativa de vida de que gatos que nunca tiveram contato com o FeLV;
DNA proviral persistente no sangue, sendo detectável ao longo da infecção. RNA viral com antigenemia detectável ou não;
Pode testar positivo para o antigeno p27 no início. Após 2 à 8 semanas (meses ou até um ano) apresenta resultado negativo;
Pode testar positivo no PCR para o resto da vida;
Estresse crônico e/ou imunossupressão pode reativar o vírus.
Infecção Focal
Rara;
Evidência do DNA proviral em glândula mamária, bexiga, baço e intestino.
Diagnóstico
A American Association of Feline Practitioners (AAFP) (LEVY et al., 2008) e o European Advisor Board on Cat Diseases (ABCD) (LUTZ et al., 2009) recomendam que o diagnóstico de FeLV deva ser realizado com teste de triagem pela detecção de antígeno por ELISA, sendo todo resultado positivo confirmado com um segundo teste, após um período de um mês, para antígeno p27 ou DNA proviral por PCR.
É importante que todos os gatos sejam testados para o FeLV;
A identificação e separação de gatos infectados é a melhor maneira de prevenir o contágio.
O teste é recomendado nas seguintes situações:
Gatos que tenham doenças relacionadas a FeLV (anemia imunomediada, imunodeficiência e linfomas), mesmo que tenha resultado negativo no passado;
Gatos adultos e filhotes antes de serem inseridos em residência ou abrigo. Os que tiverem resultado negativo, testar novamente após 60 dias;
Gatos com exposição recente a um gato infectado. Testar novamente após 30 dias;
Gatos domiciliados com gatos positivos devem ser tes tados anualmente;
Gatos semidociliados;
Antes da vacinação inicial;
Gatos doadores de sangue.
O diagnóstico da infecção por FeLV baseia-se essencialmente na detecção de vírus ou antígenos virais, através da utilização de testes, no plasma, soro ou sangue total, por meio de métodos laboratoriais como:
Ensaios imunoenzimáticos (ELISA)
- Teste de triagem;
- Detecta o antígeno p27 a partir de 4 semanas;
- Resultado negativo deve ser repetido em um intervalo de 30 dias;
- Resultado positivo, fazer outro teste diagnóstico (IFA, PCR ou outro teste rápido).
Teste de imunofluorescência direta (IFA)
- Detecta anticorpos imunofluorescentes em esfregaço de sangue;
- Detecta antígeno p27 da medula óssea;
- Detecta apenas após infecção da medula óssea;
- 3 semanas após o ELISA positivo;
- Falso negativos: gatos com leucopenia, infecção regressiva, vírus ainda não alcançou a medula óssea.
- Diagnóstico de infecção progressiva.
Isolamento do vírus
· Não é usado na rotina;
· Isolamento de vírus em cultra de células;
· Critério final para infecção progressiva
PCR
· Útil na fase inicial infecção;
· Detecta a partir de 2 semanas de contágio;
· Detecta DNA proviral;
· Esclarece testes de ELISA e IFA discordantes;
· Gatos positivos para PCR não podem ser doadores de sangue.
RT-PCR
· Detecta RNA viral;
· Detecta a partir de 1 semana de contágio;
· Útil na fase inicial de infecção;
Diagnósticos auxiliares
O diagnóstico por imagem é usado como diagnóstico auxiliar com a utilização de radiografias e ultrassonografias. Radiografias torácicas podem revelar derrame pleural em gatos com linfossarcoma associado ao FeLV.
A análise do líquido pleural frequentemente revela linfoblastos com alto teor de proteína e contagens celulares totais.
Linfonodos abdominais aumentados e hiperecóicos podem ser identificados no exame de ultrassonografia abdominal em gatos com linfoma multicêntrico.
Tratamento
Gatos assintomáticos: não tratar, manter estritamente domiciliado com acompanhamento recorrente com o veterinário.
Gatos sintomáticos: tratamento de doenças subjacentes e síndromes clínicas.
Possíveis doenças subjacentes à FeLV:
Anemia (Ex: anemia arregenerativa aplásica) – Transfusão sanguínea, eritropoetina, corticóides;
Linfomas – Protocolos quimioterápicos;
Infecçoes – Antibióticos.
Profilaxia
Manter os gatos domiciliados;
Fazer quarentena e testar os gatos antes de serem introduzidos em abrigo ou residência;
Visitar um Médico Veterinário de sua confiança para que ele estabeleça o protocolo ideal para o(s) seu(s) gatinho(s).
Bibliografia
https://www.scielo.br/j/cr/a/QLshTnrphFsJBG7bY4VjJJg/?lang=pt
https://www.pubvet.com.br/artigo/70/leucemia-viral-felina-revisao
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