A Peritonite Infecciosa Felina (PIF) é uma doença infectocontagiosa,
imunomediada fatal, de incidência mundial, que acomete felídeos domésticos e
selvagens. É caracterizada como uma vasculite inflamatória piogranulomatosa
imunomediada multissistêmica e atualmente é responsável por cerca de 1,5%
dos óbitos de gatos em instituições veterinárias.
O agente etiológico da PIF é um coronavírus envelopado com RNA fita
simples denominado Vírus da Peritonite Infecciosa Felina (FIPV), oriundo de
mutações no genoma durante a replicação intestinal do coronavírus entérico
felino (FeCoV) em gatos com infecção ativa.
O vírus da PIF (FIPV) surge através de mutações específicas no
coronavírus entérico felino (FeCoV) que é onipresente em gatos em todo o
mundo e não representa por si só um patógeno importante. O FeCoV é eliminado
nas fezes da maioria dos gatos aparentemente saudáveis em grandes ambientes
com vários gatos e sua transmissão resulta da ingestão direta de fezes, caixas de
areia contaminadas e outros fômites.
Os gatinhos geralmente são infectados por volta das 9 semanas de
idade, assim, os vírus mutantes do FeCoV capazes de causar a PIF são
provavelmente gerados durante uma infecção resistente e quando os níveis de
replicação de FeCoV são extremamente altos. No entanto, apenas uma pequena
proporção de gatos expostos a esses vírus mutantes desenvolverão a PIF – a
resistência a esta doença é complicada e envolve suscetibilidade genética, idade
no momento da exposição e uma série de estressores que ocorrem ao mesmo
tempo que a infecção e tem um impacto negativo na capacidade do gato
infectado para eliminar o vírus.
O coronavírus entérico felino apresenta tropismo pelo epitélio apical
maduro dos vilos intestinais, replicando-se exclusivamente nesse local e
causando diarreia ou infecção assintomática, limitada ao sistema digestório e de
resolução simples.
As mutações em seu material genético proporcionam também mudanças
em seu comportamento, assim, o então conhecido FIPV se replica em
macrófagos, e dissemina-se para os órgãos através do sangue, ocasionando
infecção sistêmica e PIF – sendo a PIF caracterizada por baixa morbidade e alta
taxa de mortalidade. Depois de mutado este vírus perde sua capacidade de
transmissão.
São fatores predisponentes ao desenvolvimento da PIF:
tempo de exposição ao vírus;
susceptibilidade genética à mutação do FeCoV;
capacidade imune e estresse;
infecções intercorrentes com os vírus da leucemia felina (FeLV) e da imunodeficiência felina (FIV);
idade, sendo que acredita-se que gatos entre dois meses e três anos são mais acometidos;
animais que vivem em locais com alta densidade populacional.
A PIF é classificada por duas formas de síndromes clínicas: uma efusiva
ou “úmida”, caracterizada por vasculite e poliserosite – que ocasiona efusões
pleural e peritoneal – e uma forma não-efusiva ou “seca”, caracterizada por
lesões granulomatosas em órgãos parenquimatosos, sistema nervoso central,
olhos e intestinos. Alguns autores consideram ainda uma terceira forma, sendo
esta mista, que resultaria da combinação das duas outras formas.
Acredita-se que o desenvolvimento da doença e a forma que se
apresentará no indivíduo contaminado depende da resposta imunológica que o
animal desenvolve após uma primeira infecção. De forma simplificada: a PIF não
efusiva resulta de uma imunidade celular existente porém incapaz de barrar o
vírus, enquanto que gatos que produzem resposta imune humoral, mas não
desenvolvem imunidade celular desenvolvem a forma efusiva. Nesse caso, os
macrófagos com vírus se acumulam ao redor de vasos e no interstício dos tecidos
e as lesões vasculares causam, então, a efusão dos fluidos ricos em proteína,
característicos da PIF efusiva.
Sintomatologia
Diversas são as manifestações clínicas da PIF, sendo os sinais gerais
possivelmente encontrados:
apatia
anorexia
perda de peso
desidratação
febre intermitente
vômitos e diarreia
icterícia (decorrente de hepatite granulomatosa)
Sinais clínicos mais específicos das duas formas são:
PIF efusiva: efusão pleural, dispneia e taquipneia, efusão pericárdica demonstrando sinais de insuficiência cardíaca congestiva, e distensão abdominal
PIF não efusiva: lesões granulomatosas em órgãos; alterações neurológicas como ataxia, nistagmo, convulsões e paresia de membros; e distúrbios oftálmicos como uveíte, hifema e hipópio.
Diagnóstico
Atualmente o diagnóstico da PIF ainda é um grande desafio. Isso se deve,
pois os achados laboratoriais e testes disponíveis no mercado são bastante
inespecíficos.
Seu diagnóstico é baseado principalmente na consideração da idade,
origem, sinais clínicos e exame físico do gato. Gatos de 4-36 meses de idade, que
vivem em ambientes de alta densidade, manifestam uma febre persistente, mas
ondulante, que não responde ao antibiótico são suspeitos imediatos para FIP.
Sinais mais específicos de FIP observados pelo proprietário ou pelo
exame físico direcionam ainda mais as opções diagnósticas: distensão abdominal
com ascite, dispneia com derrame pleural, icterícia, hiperbilirrubinúria, massas
nos rins e /ou nódulos linfáticos mesentéricos, uveíte e uma variedade de sinais
neurológicos são comuns. Neste ponto, o diagnóstico pela clínica de FIP pode ser
feito com uma certeza razoável.
No entanto, dada a alta mortalidade, muitos veterinários e proprietários
se sentem desconfortáveis com um diagnóstico baseado em "certeza razoável". A
dificuldade, então, passa a ser a escolha de testes que irão promover maior
garantia de que os sinais clínicos sejam causados por FIP (testes indiretos), ou
que possam fornecer até mesmo um diagnóstico definitivo (testes diretos).
Vale lembrar que a sensibilidade e especificidade de qualquer teste
indireto irá variar muito, sendo estes capazes tanto de confundir quanto
fortalecer o processo diagnóstico.
Alguns achados laboratoriais e exames podem auxiliar no diagnóstico,
sendo eles:
Hiperbilirrubinemia e hiperbilirrubinúria;
Relação albumina / globulina < 0,81 (92% positividade);
Analise do liquido efusivo: transudato modificado à exsudato asséptico, com neutrófilos e macrófagos íntegros;
RT-PCR: encontrar quantidade significativas do mRNA viral no sangue, derrame ou em tecidos pode ser indicativo de PIF;
Histopatológico e imunohistoquímica.
Possibilidades Terapêuticas
Diferentemente da realidade de 3 anos atrás, atualmente a Peritonite
Infecciosa Felina apresenta uma possibilidade de cura eficaz.
As possibilidades terapêuticas para essa doença, ainda que com eficácias
e objetivos diferentes, giram em torno de dois objetivos principais: modificação
da resposta imune do paciente e inibição direta da replicação viral. Para isso, de
forma genérica, podem ser utilizados: drogas imunossupressoras, drogas
imunomoduladoras e antivirais.
Profilaxia
Pela alta taxa de mortalidade desta doença, dificuldade diagnóstica e
possibilidade de cura de difícil ou inviável acesso, a melhor abordagem em
relação à PIF é a profilaxia! Alguns métodos de prevenção e cuidado são:
Redução de condições estressantes aos gatos;
Redução da carga viral de FeCoV ambiental através da manutenção de um bom manejo sanitário dos ambientes (sua eliminação completa é impossível, pois o FeCoV é onipresente em ambientes felinos);
Nutrição adequada;
Reduzir disbiose gastrointestinal e falta de imunidade passiva em filhotes como fatores de estresse;
Desmame gradual e em idade adequada;
Evitar formação de grupos grandes (maiores que 5 gatos).
Bibliografia
COELHO, H.E. et al. Peritonite infecciosa felina, relato de caso. PUBVET, Londrina,
V. 6, N. 22, Ed. 209, Art. 1393, 2012.
Niels C. Pedersen et al. An update on feline infectious peritonitis: Diagnostics and
therapeutics – The Veterinary Journal 201 (2014) 133-141
Feline Infectious Peritonitis (FIP) – International CatCare, March, 2020
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